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MPF pede suspensão do licenciamento de aterro sanitário em Viamão

Projeto do aterro sanitário está num divisor de água e, em caso de qualquer vazamento, pode haver a contaminação da água superficial de duas bacias hidrográficas. Foto: Movimento Não Ao Lixão/Divulgação

Ação tem o objetivo de assegurar consulta prévia aos povos indígenas da região

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública, com pedido de liminar, para assegurar o direito à consulta prévia, livre e informada das comunidades indígenas localizadas no município de Viamão. A consulta aos Mbya Guarani do Cantagalo (Tekoá Jataity) e aos Cantagalo 2 (Tekoá Kaguymiri) deve tratar sobre a possível instalação de um aterro sanitário na denominada Fazenda Montes Verdes, na zona rural de Viamão, dentro do distrito de Itapuã.

O MPF solicitou, com urgência, a suspensão imediata do processo de licenciamento que tramita na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Além disso, pede que a Funai e o município de Viamão não realizem atos relacionados ao empreendimento sem a devida consulta aos guaranis. Por fim, pede que a Empresa Brasileira de Meio Ambiente (EBMA) seja proibida de realizar qualquer procedimento para a instalação do aterro até que a consulta seja realizada.

Ao final do processo, o MPF pede a decretação de nulidade do processo de licenciamento desde o início e a confirmação da liminar.

Desde o ano passado, ambientalistas vêm protestando contra a construção do lixão metropolitano. A área proposta para o aterro sanitário está situada sobre sedimentos instáveis, o que aumenta o risco de vazamentos que poderiam contaminar tanto a água superficial, quanto a subterrânea. Se isso acontecesse, a contaminação das águas que abastecem a região metropolitana afetaria também comunidades locais e ecossistemas importantes, como a Área de Preservação Ambiental (APA) do Banhado Grande e o Banhado dos Pachecos.

O MPF fundamenta a ação na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. A norma assegura aos povos indígenas o direito de serem consultados previamente sobre medidas administrativas ou legislativas suscetíveis de afetá-los diretamente. No entanto, de acordo com a ação, apesar da proximidade e dos potenciais impactos diretos do empreendimento, não houve, até o momento, a realização da consulta prévia, livre e informada, conforme assegurado pela Convenção 169 da OIT.

Segundo o MPF, as comunidades indígenas Mbya Guarani do Cantagalo manifestaram sua discordância com a instalação do aterro sanitário, temendo que o empreendimento possa afetar seu modo de vida, sua relação espiritual com o território, a fauna, a flora e os recursos hídricos da região. O MPF também destaca preocupação com o aumento do fluxo de veículos, especialmente caminhões e o consequente incremento da circulação de juruá (não indígenas) na região.

“A comunidade teme que essa maior interação possa levar a uma série de impactos negativos, incluindo o aumento do contato intercultural prejudicial ao modo de vida guarani, risco de atropelamentos, problemas de saúde, discriminação e preconceitos, desrespeito às suas particularidades étnicas e culturais, e até mesmo o surgimento de problemas sociais como prostituição e tráfico de drogas”, pontua o procurador da República Ricardo Gralha Massia.

Em outro trecho da ação, o procurador da República aponta os possíveis danos ambientais que o empreendimento pode gerar. Segundo ele, a Fazenda Montes Verdes está situada em uma área com características ecológicas e hidrológicas que a tornam particularmente vulnerável aos impactos negativos decorrentes da operação de um aterro sanitário e, por consequência, ao bem viver das comunidades indígenas do entorno. Para o procurador responsável pelo caso, a proximidade com a APA torna inviável a instalação do aterro sanitário, uma vez que a APA do Banhado Grande tem como objetivo a proteção dos banhados formadores do Rio Gravataí, buscando compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação dos ecossistemas naturais.

Além disso, o MPF aponta que a contaminação da água pelo chorume do aterro sanitário tem o potencial de se alastrar pelo Arroio Alexandrino e Arroio Checo Barcelos, atingindo o Rio Gravataí e o Lago Guaíba. Segundo a ação, a tal contaminação pode afetar o abastecimento de água de milhares de habitantes nos municípios de Gravataí, Alvorada e Viamão.

A ação propõe a realização de uma audiência de conciliação e a condução do processo nos moldes de um processo estrutural, com a criação de planos e cronogramas entre as partes, com a mediação do Judiciário, buscando uma solução dialogada que garanta o direito à consulta. No entanto, o MPF destaca que o objetivo da audiência “não é o saneamento de um processo administrativo eivado de vício insanável, e sim o de assegurar que, na eventual instauração de novo processo administrativo, o estudo locacional ocorra com a efetiva participação das comunidades indígenas afetadas”.

Entenda o caso

Com idas e vindas, a primeira tentativa de criar o aterro sanitário foi pleiteada por uma empresa ligada ao Grupo Vital Queiroz Galvão. A área para fazer o empreendimento na Fazenda Monte Verde foi arrendada do proprietário Arlindo Bianchini. O projeto, na ocasião, não foi adiante.

O advogado José Renato de Oliveira Barcellos, especialista em Direito Ambiental, recorda que o licenciamento prévio foi indeferido porque a empresa não apresentou os estudos no prazo indicado pela Fepam. Na ocasião, os responsáveis pelo negócio tentaram alegar dificuldades em função da pandemia do novo coronavírus.

A empresa então recorreu da decisão e a Fepam, após realizar uma vistoria na área em outubro, está analisando o recurso. Enquanto isso, o órgão ambiental emitiu a licença única, com validade até julho de 2028, beneficiando 12 endereços do empresário, incluindo a Fazenda Montes Verdes. A licença autoriza a colocação de resíduos em solo agrícola, tais como lodo da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), cinza de caldeira e resíduo de varredura.

Segundo a Fepam, esses resíduos “servem para dar ao solo os nutrientes que são necessários, sem a utilização de fertilizantes e adubo”, ação geralmente feita em área de pastagem ou plantação para preparação do solo. O processo, explica o órgão ambiental, é feito com o acompanhamento de engenheiro agrônomo e conta com a anuência do município de Viamão.

A notícia da licença única colocou novamente em alerta o movimento contrário ao aterro sanitário. Entre seus integrantes, há a suspeita de que a atual licença possa ser o “primeiro passo” para a concretização do aterro.

Barcellos destaca a existência de oito fontes d’água na área escolhida para criar o aterro, um enorme lençol freático considerado uma das melhores fontes d’água do Rio Grande do Sul. Por isso, alega que a área é sensível ambientalmente e corre risco de contaminação com a eventual criação do aterro sanitário.

“Essa contaminação coloca em risco não só as comunidades que vivem no entorno da região, como também ameaça três comunidades indígenas que vivem nas imediações, além de afetar várias unidades de conservação”, afirma. O advogado explica que os corpos hídricos se conectam com a APA do Banhado Grande, incluindo a nascente do rio Gravataí, um das mais importantes do RS, com conexão com o Guaíba e, por sua vez, com a Lagoa dos Patos e o oceano Atlântico. “Todo esse sistema hídrico está ameaçado por esse empreendimento.”

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Fonte: Sul 21

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